03 novembro 2005

Indela

Cinco séculos depois da Batalha de Alcácer Quibir Indela continua à espera de D. Sebastião, o príncipe mais encantado que a memória carrega. Tão encantado que rei já era antes de desaparecer nem a lenda sabe como, e tão príncipe que rei continuará a ser no dia em que ressurgir da história e do nevoeiro.

Mas Indela não sabe tudo. Não sabe que em outras terras o rei se deixou encantar por uma menina descalça, de longos cabelos negros e olhos grandes de tanto sonhar. Não sabe como ele largou as armas e abandonou a guerra, sem cavalo, e andou três dias à procura da única flor que perfumava o deserto. Nem sabe o deserto em que se viu el rei quando perdeu de vista a menina de longos cabelos e pés de certezas. Ou como ele se sentiu quando ao longe reavistou a menina que recebeu a flor já murcha e a fez reviver.

Indela não sabe que o rei se descalçou e despiu a majestade para continuar a ser rei. Não sabe que dos recantos da alma lhe brotaram os cantos de um mundo que seduziu a menina. Não sabe as palavras que trocaram em linguagem de olhares, nem os gestos que inventaram e os caminhos que rasgaram para vestir o amor.

Indela não sabe que el rei não quer voltar da terra dos sonhos, onde todos os ventos se juntam e tecem mantos de nevoeiro para proteger os amantes. Indela não sabe tudo e por isso continua a espera. Um dia o rei não voltará.