08 novembro 2005

Avestruz

Era uma vez uma avestruz. As avestruzes são bichos prudentes porque enterram a cabeça na areia mal sentem o perigo aproximar-se. Ninguém percebe como é que as avestruzes não morrem asfixiadas quando enterram a cabeça na areia, mas a vida é mesmo um mistério e este é um dos mistérios da vida. Ou talvez não. Se calhar é só falta de informação, mas como as avestruzes não falam continua a ser um mistério. Às tantas as avestruzes nem sequer precisam de respirar. Ora esta avestruz não era prudente, coitada, mas de resto levava uma vida normal. Talvez se possa pensar que não era prudente porque tinha medo da areia ou sofria de claustrofobia ou apenas porque respirava, mas neste caso não adianta nada pensar porque também não se sabe. O que se sabe é que um dia andava esta avestruz a passear no jardim quando sentiu o perigo aproximar-se. Vai não vai, ainda se lembrou de esconder a cabeça debaixo da asa, mas a asa recusou-se a servir de tapador e antes que a avestruz pensasse mais já o perigo estava ao pé dela. "Avestruz" disse o perigo "estás tramada!". "Porquê?" perguntou a avestruz. "Porque eu sou um perigo", disse o perigo. "E qual é o teu problema?" perguntou a avestruz. Esta avestruz além de não ser prudente era um bocado filósofa. "Não tenho problema nenhum" disse o perigo. "Sou um perigo muito bom, acabadinho de sair da escola superior de formação de perigos". "Oh!", disse a avestruz, "um perigo diplomado! Que bom, que bom!" e começou a bater palmas. Claro que não eram palmas porque as avestruzes não têm mãos, mas o perigo percebeu e ficou muito contente. "É uma pena ter que te tramar porque és muito simpática" disse o perigo à avestruz. "E tu és um perigo muito bonito" disse a avestruz ao perigo. E puseram-se a falar do tempo e dos mistérios da vida, até que o perigo teve mesmo que tramar a avestruz e casou com ela. Tiveram muitos filhotes e viveram felizes para sempre. Desde então todos os perigos tentam casar com as avestruzes, mas nunca mais resultou porque as avestruzes não gostam de perigos e teimam em enterrar a cabeça na areia.

Prova dos nove: não se conhecem avestruzes que não sejam perigosas.

Moral da prova dos nove: quem não tem asa quer casa, ou qualquer coisa assim.

4 Comments:

At 17 novembro, 2005 19:33, Blogger Alberto Oliveira said...

Li os teus posts e sorri. É que não há muita gente a escrever com a ideia de fazer sorrir os outros. Sei que os tempos não vão para grandes contentamentos; mas c´os diabos! Será preciso andarmos sistemáticamente de ventas?!

 
At 17 novembro, 2005 23:51, Blogger Lia C said...

Hmmm... sabes, eu não escrevo com a ideia de fazer sorrir os outros, escrevo mais com a ideia de me fazer sorrir a mim - precisamente porque acho que quase tudo é tão mau que não vale a pena martelar mais os mesmos assuntos nos mesmos sítios.

E nem escrevo muito, sequer, porque nunca sei o que vai sair quando começo... às vezes as palavras trocam-me as voltas e saem coisas muito piegas - e eu fico envergonhada...

Bj e obrigada por teres passado e deixado marca.

 
At 18 novembro, 2005 00:14, Blogger Alberto Oliveira said...

Ok! poderia re-comentar-te com a frase do gajo que nunca se engana: «Já calculava que ias escrever isso;não escrevo para fazer sorrir os outros» mas não gasto esse tipo de diálogo.
valha a verdade que também não me enganei muito, que "escrever para se fazer sorrir a si próprio", é meio caminho andado para... fazer sorrir os outros.

Aí estamos empatados (no "nunca sei o que vai sair quando começo", embora ultimamente tenha escrito em função das fotos que faço). De resto escrevo regularmente de três em três dias (é assim a modos que um exercício disciplinado, embora me d~e muito gozo) e se escrevo alguma coisa mais formal, não tenho vergonha nenhuma de me emocionar.
Prontos está tudo! Não há nada a agradecer. Gosto simplesmente de "falar" com pessoas.

Bj e até um dia destes.

 
At 18 novembro, 2005 22:12, Blogger Lia C said...

Não, não te enganaste muito - e se não tomas cuidado qualquer dia estás mesmo como o tal senhor que nunca tem dúvidas e raramente se engana (ou ao contrário, já não me lembro bem...) - se bem que me pareça que há demasiada gente "insorrisível" (e por isso acho um bocado de desperdício estar a tentar fazer sorrir).

Admiro imenso as pessoas que, como tu, conseguem disciplinar-se a escrever qualquer coisa de x em x dias - mas eu sou incapaz. Além disso tenho um bocado de receio do que as minhas sinapses podem fazer quando são deixadas à vontade, sem este rigor da inércia com que as mantenho no estreito caminho do conformismo e da boa educação.

Deixo aqui um título em condições, no post acima. Para ti e para a Amok, claro, que também defende títulos.

Bjs

 

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