28 fevereiro 2007

Muito assim dos dias (ao contrário dos costumes)

Gambas agridoce e pato à pequim, um chá de jasmim e duas cervejas sem entradas ou sobremesas. Recuando vinte anos Wang Li via ainda o mesmo casal à mesma mesa os mesmos gestos os mesmos olhares os mesmos silêncios e os mesmos pedidos. Mudanças houvera, mas apenas no estado do tempo e no vestuário de cada uma das exactas 20 horas de todas as quarta-feira em que passavam a porta. Também na pele e na cor dos cabelos e, às vezes (duas ou três em todo esse tempo) no penteado da senhora. Wang Li podia contar pelos dedos de uma mão todas as palavras que os vira trocar durante 20 anos de jantares. E podia testemunhar pela cadência dos gestos e pelo acerto de olhares a cúmplice harmonia que fazia daqueles dois o casal feliz, como de si para si os chamava. Fora por eles que modelara a sua vida com Mo Ling, a quem levava a jantar todas as folgas de segunda feira desde que haviam casado há doze anos de inquietante turbulência. Porque Mo Ling falava ao contrário dos costumes, porque Mo Ling queria e pedia ao contrário dos costumes, porque Mo Ling variava a escolha dos sítios e dos sabores ao contrário dos costumes. E porque Mo Ling nem sempre se lembrava e muito menos preparava para ir jantar com ele ao contrário dos costumes. Talvez que com o tempo Mo Ling viesse a ser como a senhora e ele pudesse dar-se então os ares serenos do senhor. Talvez que ainda um outro segredo houvesse e Wang Li o pudesse acatar. Ou talvez que ele e Mo Ling nunca viessem a ser um outro casal feliz porque contra os costumes os encontros podem ser fatais. Como hoje, nesta quarta-feira em que o senhor chegou sozinho de olhar e gestos desamparados. Wang Li não compreende senão a morte na ausência dos olhos e na lividez das rugas do senhor, tem a certeza da morte na sopa wantan e no caril de lulas com amêndoas seguido de líchias. À conta Wang Li não contém o lamento que quer dizer desde que não viu a senhora e fala ao contrário dos costumes. Lamento, senhor. E de sob o bigode o Sim, obrigado, mas não há que lamentar. Foram apenas trinta e dois anos da minha vida que se foram para onde eu não sei ir. Trinta e dois anos a vinte e quatro horas por dia de vida com ela, sempre com ela, a viver por ela. Por isso não lamente, não há que lamentar. E Wang Li chorando a vida ao contrário dos costumes acompanha à porta o senhor. Sabe, rapaz? O que não compreendo ainda é como antes de fugir com ele me pode acusar de tornar a vida monótona... se até a trazia a jantar fora todas as quarta-feira para menter acesa a chama da nosso amor. É por isso que ao contrário dos costumes Wang Li vai mais logo ao cinema com Mo Ling. Ou talvez a deixe escolher.

7 Comments:

At 28 fevereiro, 2007 22:31, Blogger 919 said...

Lia, é muito bom voltar a ler os teus contontos. Este do chau-min (ou terá sido ciao-a-mim?) está completamente marado!... chop, chop, chop sueyyyyy...

 
At 28 fevereiro, 2007 23:53, Blogger Rui said...

Acho que ela não fugiu, limitou-se a ir porque, afinal, não era senhora de ligar a costumes.

 
At 01 março, 2007 14:59, Blogger Alberto Oliveira said...

Lia C.

Admirei a velocidade de ponta como me "contaste o resto da estória da Carochinha P.F.* e do João R.". Tão rápida que nem me deste tempo a comentá-a. Tenho de aprender a fazer esse truque (risos maquiavélicos).
Além disso, deves ter outros poderes. Como é que adivinhste que hoje almocei num chinês?! Outra cena com que tenho de me preocupar... (risos ainda mais maquiavélicos).

* Pequenina e formosinha.

Beijos muitos.

Lélé:

A mulher regressou!! e veio com a corda toda!

 
At 01 março, 2007 15:04, Blogger Alberto Oliveira said...

... "comentá-la" e "adivinhaste". Não "comentá-a" e "adivinhste".

Não te rias Rui, que só faltam 90 minutos para a final...

 
At 02 março, 2007 22:32, Blogger Rui said...

Vamos lá ver quem chega a Queijas.
Chora mais, quem chora por último (risos diabólicos).

 
At 02 março, 2007 22:54, Blogger Lia C said...

desculpem lá mas não deu para responder aos vossos comentários porque estive muito ocupada a produzir aqueles extraordinários contontos do post mais superior.

Lélé: a mim parece incrível que alguém ache muito bom ler coisas destas... tens a certezinha absolutinha que não querias dizer outra coisa?

Rui: sim, é isso - ela limitou-se a ir (mas ele não sabia).

Lé: o resto da história da carochinha e do jr é uma seca tremenda - acredita em mim que fui eu que a escrevi... sobre os poderes divinatórios tens já a resposta no "ena pá tantas...", e quanto aos lapsos ortográficos sossega-te que eu entendo a chinesice. O que me deixou intrigada foi aquela coisa dos 90 minutos e das Queijas do Rui. Podem explicar-se, p.f?

Beijos muitos para todos

 
At 02 março, 2007 23:25, Blogger Alberto Oliveira said...

Esclarecimento à séria*:

Noventa minutos: tempo útil de um jogo de futebol de onze. O inútil (descontos**), chega a ser por vezes mais útil que o outro tempo.

* A minha especialidade.
** Não. O árbitro não efectua descontos nos vencimentos dos jogadores em campo. É aquele tempo que o juiz entende que se deve jogar mais um pedaço, porque um atleta saiu de maca e reentrou a rir, ou porque... é pá! pode ser por tanta coisa.
Depois o Rui se tiver oportunidade e quiser, explica mais que eu não tenho aqui à mão o livro das regras.

beijos muitos

 

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