03 janeiro 2006

Não é verdade que Joana tenha sido sempre assim.
Foi, em tempos, uma miúda como qualquer outra, se bem me lembro dela.
Tinha a mania das tranças e nós brincavamos com isso correndo pelos corredores da Industrial atrás delas. Era bonito de ver a Joana nessas alturas, esvoaçante vida fora, saca a tiracolo a dar-a-dar e de sorriso afogueado de cada vez que, arfante, era apanhada por um de nós. Era então engraçado ver os seus olhos acastanhados e luzidios rirem por entre sardas e as covinhas que fazia nas bochechas.
Deixei de a ver durante anos e anos para ontem a apanhar ali à beira do Convés. Andrajosa, fala entaramelada, a arrumar uns carritos. Pelo que me dizem, à noite ainda "faz" uns gajos. "Essa foi sempre uma malucona...", dizem. Mas eu sei que não.
Houve uma época em que, nestas bandas de Matosinhos, a moda era a "base". Ao que parece, Joana não conseguiu sair da moda e agora passeia os seus ganhos entre a falta de dentes e as pupilas sem vida.
Era bonita, a Joana.
Falei-lhe. "Então, Joana? Como tens andado?" Ficou ali, a olhar para mim, meio sorriso parvo na cara, apesar de tudo ainda bonita, até responder "Qualquer coisinha Xôr Doutor... deixe ficar o carro à vontade que comigo aqui não se passa nada...".
Não haviam tranças, não havia saca a tiracolo, não havia saia plissada, não havia Joana dentro daquelas órbitas desligadas.
Dei-lhe 1 euro e entrei para almoçar.
À saída já não vi a Joana no estacionamento. Quem lá estava era o Paulo.
Um destes dias falo-vos do Paulo.

2 Comments:

At 03 janeiro, 2006 23:36, Blogger 919 said...

Tal como a Joana, também eu usava tranças e, tal como imagino que acontecia com ela, raramente as tranças chegavam a casa direitas. Cresci, convivi com muitos e muitas "Joanas" e consegui não perder o pé. Não sei se os meus pais, alguma vez, tiveram noção do perigo que eu corria, ou sequer do quanto eles me protegeram, porque ainda hoje ando, eu, a descobrir isso.

 
At 04 janeiro, 2006 21:05, Blogger Lia C said...

E eu conheço algumas Joanas destas... outras conheci, porque já não são senão na memória de quem as conheceu. Apesar de tudo não sei o que será melhor...

Bjs

 

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