Vida?
Ao peso da vida já ela andava habituada e, não fossem as meia dúzia de tostões estrangeiros que lhe chegavam de mesada, as coisas seriam ainda piores.
A fábrica de confecções estava a fechar, os putos na escola e ela a tentar fazer render o tempo, a parca mesada e as virtudes.
A noite chegada e lá ia Glória andar mais um bocado, não para derreter gorduras como agora se faz, mas para as fazer leite e pão para os seus miúdos.
Era assim todas as noites, salvo aquelas em que, por obrigação da Natureza era obrigada a um curto período de descanso ou nas alturas em que Custódio vinha a casa.
Custódio nunca poderia saber de nada. Era ponto assente.
Ele não poderia sequer imaginar destas suas actividades, horas extras de trabalho. Custódio andaria ainda convencido que o seu trabalho lá por fora, vivendo num contentor e afogando a saudade em bagaços, era realmente suficiente para as duas bocas que não cessavam de pedir, para os livros da escola, para a casa que tinha começado a construir com as suas próprias mãos e que ostentava agora uma placa de betão de ferros apontados ao céu, como que a rasgá-los – como por vezes Glória se sentia, rasgada por dentro.
Era para fora que ela ia, para as bandas da Serra.
Foi por aí que conheceu o Sr. Matos, cliente habitual que, após alguns encontros no meio do pinhal, resolveu apaixonar-se por ela e tentar tirá-la da vida. Começou com prendas que ela guardava num terreno, enterradas, não fosse Custódio alguma vez indagá-la acerca do assunto, mas rapidamente a coisa tomou outras proporções: das prendas passou às “perseguições”, das perseguições chegou ao cúmulo de a esperar à porta de casa.
A vizinhança desconfiava mas permanecia calada.
Um dia, chegada à Serra, entrou na mata para pousar as suas coisas e deu um grito de terror. O Sr. Matos jazia no meio das silvas com a cabeça aberta e a mioleira espalhada pelo chão.
Fugiu com a rapidez que as suas pernas, já desfeiteadas, lhe permitiam.
Correu, correu muito até chegar a casa, esbaforida. Ao abrir a porta, o seu filho mais novo veio a correr ao seu encontro, saltando-lhe ao colo e gritando de alegria: “Mãe!, Mãe!, o Pai está em casa! Veio de surpresa!”.
Glória ficou estarrecida e, recompondo-se, olhou o marido nos olhos e, sinceramente, abraçou-se a ele, beijando-o entre lágrimas.
“Fizeste boa viagem?”, perguntou ela.
“Estás cansada?”, perguntou ele. “Não devias trabalhar tanto”, acrescentou. “Não tens necessidade”.
Afastou-se.
Glória sentiu um calafrio e ficou a pensar que algo tinha mudado na sua vida e na de Custódio.
Custódio nunca mais lhe tocou durante o resto das suas vidas.
Ao fundo do quintal, entre a sucata que por lá andava, havia uma sachola suja de sangue.
A fábrica de confecções estava a fechar, os putos na escola e ela a tentar fazer render o tempo, a parca mesada e as virtudes.
A noite chegada e lá ia Glória andar mais um bocado, não para derreter gorduras como agora se faz, mas para as fazer leite e pão para os seus miúdos.
Era assim todas as noites, salvo aquelas em que, por obrigação da Natureza era obrigada a um curto período de descanso ou nas alturas em que Custódio vinha a casa.
Custódio nunca poderia saber de nada. Era ponto assente.
Ele não poderia sequer imaginar destas suas actividades, horas extras de trabalho. Custódio andaria ainda convencido que o seu trabalho lá por fora, vivendo num contentor e afogando a saudade em bagaços, era realmente suficiente para as duas bocas que não cessavam de pedir, para os livros da escola, para a casa que tinha começado a construir com as suas próprias mãos e que ostentava agora uma placa de betão de ferros apontados ao céu, como que a rasgá-los – como por vezes Glória se sentia, rasgada por dentro.
Era para fora que ela ia, para as bandas da Serra.
Foi por aí que conheceu o Sr. Matos, cliente habitual que, após alguns encontros no meio do pinhal, resolveu apaixonar-se por ela e tentar tirá-la da vida. Começou com prendas que ela guardava num terreno, enterradas, não fosse Custódio alguma vez indagá-la acerca do assunto, mas rapidamente a coisa tomou outras proporções: das prendas passou às “perseguições”, das perseguições chegou ao cúmulo de a esperar à porta de casa.
A vizinhança desconfiava mas permanecia calada.
Um dia, chegada à Serra, entrou na mata para pousar as suas coisas e deu um grito de terror. O Sr. Matos jazia no meio das silvas com a cabeça aberta e a mioleira espalhada pelo chão.
Fugiu com a rapidez que as suas pernas, já desfeiteadas, lhe permitiam.
Correu, correu muito até chegar a casa, esbaforida. Ao abrir a porta, o seu filho mais novo veio a correr ao seu encontro, saltando-lhe ao colo e gritando de alegria: “Mãe!, Mãe!, o Pai está em casa! Veio de surpresa!”.
Glória ficou estarrecida e, recompondo-se, olhou o marido nos olhos e, sinceramente, abraçou-se a ele, beijando-o entre lágrimas.
“Fizeste boa viagem?”, perguntou ela.
“Estás cansada?”, perguntou ele. “Não devias trabalhar tanto”, acrescentou. “Não tens necessidade”.
Afastou-se.
Glória sentiu um calafrio e ficou a pensar que algo tinha mudado na sua vida e na de Custódio.
Custódio nunca mais lhe tocou durante o resto das suas vidas.
Ao fundo do quintal, entre a sucata que por lá andava, havia uma sachola suja de sangue.
6 Comments:
Fabuloso, CT!
Um beijo "enorme de grande"...
cjt... também entro na tua claque... Esse conto arrepia! Pensar "resto a vida" em convivência com "desprezo"... Nem que o resto da vida fosse apenas mais uma hora!... Bolas!
A festa não são apenas os regressos, mas tb aquilo que motiva a que o pessoal retorne: os contontos!
I have no words.
E nós também te queremos mucho, unicórnio! E também eu te leio todos os dias...
Um beijo azul brilhante de sorriso para enfeitar as tuas árvores de natal.
Um conto de "arrepiar" mas com um belo envolvente! Parabéns!
Mas o gajo não podia ao menos limpar a sachola?!
(desculpa, não me contive...)
e depois? ....fica-se assim. esmagado. bjo.
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